quarta-feira, 21 de março de 2012

As intermitências da "tua" vida


E se de um momento para o outro ninguém morresse? E se de repente todos nós pudéssemos viver eternamente? Certamente, o primeiro pensamento que emergiu na mente de qualquer individuo teve um carácter positivo. Quem não quer viver plenamente e não pensar sequer na palavra morte? O ser humano é um ser frágil, mortal e que, inevitavelmente, tem medo da morte.
“No dia seguinte ninguém morreu”, é assim que Saramago começa o seu romance. Um romance perturbador, envolvente e carismático. As intermitências da morte não passam em vão. As intermitências da morte fazem-nos pensar, mudam o nosso prisma. As intermitências da morte fazem-nos deixar de ter medo. As intermitências da morte remetem-nos para um fatalismo inevitável. As intermitências da morte aqui ganham significado, personificam-se.
Saramago consegue retratar a história de um país onde a morte deixou de actuar. Ninguém morre. Todos têm o direito à vida. Mas, também aqui Saramago consegue mostrar o outro lado da morte, o lado de necessidade. A morte faz parte da vida. A morte está intrinsecamente ligada à vida. Nada, nem ninguém pode anular o facto de que um dia todos vamos fugir deste mundo. Não vale a pena ser-se bom ou mau, no fim, todos perdemos o direito de pertencer a esta terra. A morte aqui ganha sentido, aliás, ela sublinha o seu sentido.
A morte personifica-se. O romance parte da própria morte e da sua incapacidade de actuar devido ao amor. Saramago une inteligentemente duas coisas que à partida parecem ser como a água e o azeite. Aqui a morte e o amor andam de mãos dadas. A morte ganha vida e não consegue tirar do mundo quem tinha de tirar. O amor fala mais alto, aliás, o amor grita. E a morte ouve-o, muito atenta. Por mais que lute contra aquilo que sente, a morte não resiste.
A escrita de Saramago aliada ao seu poder visionário faz deste romance algo inacreditável. Uma história que à partida parece seca, fria e crua torna-se num enredo poderoso e cativante. Nem sempre aquilo que parece bom numa primeira fase o é na realidade. Aquilo que está à frente dos nossos olhos nem sempre é claro, visível. A tarefa de procurar, pensar e não desistir parte de nós. Por isso, fecha os olhos. Pensa naquilo que tens como garantido. Agora, abre os olhos. Será que continuas a achar que tudo o que tens hoje amanhã está lá?




 Por Nádia Vieira

2 comentários:

tanya disse...

Sem sombra de dúvuda um dos meus livros preferidos, que me ajudou a aceitar a morte, quando com ela convivia diariamente...

Point Out disse...

Concordo plenamente contigo, Tanya. Este é sem dúvida um livro que nos ensina a lidar com a morte, ou pelo menos a vê-la de uma forma menos negativa. Obrigada pelo teu comentário. Esperamos que nos continues a visitar.