Agora eu sigo o meu nariz
Respiro fundo e canto
Mesmo que um tanto rouca
Pode falar, não importa
O que eu tenho de torta
Eu tenho de feliz
Eu vou cambaleando
De perna bamba e solta
Este artigo podia bem ser um
daqueles em que lemos a parte do final para descobrirmos o que significa o
título. Não faz sentido fazê-lo. Primeiro porque é batota. Segundo porque é
infantil. Terceiro porque a explicação de um título dá para o bitaite, não para
o argumento. Mas, confesso, sem demoras, que me apetece espremer o sumo da
laranja e pôr de lado os caroços agora mesmo. Isto é apenas o desabafo de uma
escritora preguiçosa que precisa de pôr dedos em pré-aquecimento durante 20
minutos (em bons dias).
Mas indo ao que interessa. Pitanga é uma fruta bonita de um vermelho intenso com travo agridoce. Pitanga é a fruta que Mallu Magalhães adora e
cultiva na varanda da sua casa. Pitanga
é o fruto de 55 dias de trabalho em estúdio que resultou na colheita do terceiro álbum da namorada
do eterno hermano Marcelo Camelo. Mallu já não é o fenómeno do Mypace que colocou a palavra “tchubaruba” na boca dos brasileiros em 2007. Mallu deixou a ingenuidade nos primeiros álbuns, e com ela, a fase de menina.
Aos 19 anos, Mallu aparece com um projecto mais maduro que aborda complexidade de uma vida a dois. É também uma resposta à carta de amor de Marcelo Camelo. Pitanga é um prolongamento do Toque dela. São álbuns que dialogam sobre o mesmo sentimento. Mais, que se complementam e que remetem um para o outro. Marcelo Camelo é, portanto, uma paragem obrigatória, mas também a única que existe. É uma presença inquestionável em Pitanga em músicas como "Youhuhu", "Porque você faz assim comigo?" ou "Olha só, moreno". Admiti-lo não é depreciativo, porque uma coisa é certa: a Pitanga é dela. É tudo Mallu. Acredito que foi no processo criativo de Pitanga que a Mallu começou a descobrir-se enquanto música, pessoa. Faz sentido afirmar que a Pitanga de Mallu tem o toque dele. Não digo isto só porque ele produziu o disco, influenciou músicas, tocou alguns instrumentos ou porque tirou as fotos de divulgação do álbum. Digo-o porque Mallu descobriu a pólvora: pôs na mesma sala o coração e a música, coisa dos grandes músicos, coisa de Marcelo Camelo. Coisa que namorou pela primeira vez em "Janta", no lançamento do disco a solo do moreno.
A língua-mãe de Pitanga é o português, ainda que existam salpicos em inglês. A tendência é óbvia: as músicas em português saem-lhe do coração e saem-lhe leves de tão pesadas. O grande pecado deste álbum é o descompasso entre músicas portuguesas e inglesas. Não estou a dizer que não aprecio músicas como “Youhuhu”, mas, depois de ouvirmos composições com um espectro tão brasileiro como “Sambinha bom” e “Olha só, moreno”, o ritmo quebra-se. A teimosia em continuar a cantar músicas em inglês faz-me questionar a 'identidade' da Mallu. Leva-me a crer que ainda não conseguiu arredar pé da máscara que a cobria nos outros álbuns. No entanto, estas quebras são emudecidas pelo “toque” de Marcelo Camelo nos arranjos, nas texturas suaves a que já nos habituou em Los Hermanos, mas principalmente nos projectos a solo em Sou (2008) e em Toque dela (2011).
As doze músicas de Pitanga, todas da autoria de Mallu, crescem ao lado de uma complexidade musical que não pisava terreno nos álbuns anteriores. Em Pitanga, temos guitarra, banjo, violão, piano, chocalho, bateria, cavaquinho, clarinete, viola caipira e melódica. Este leque numeroso de instrumentos cria uma sonoridade artesanal, crua e simples que ampara o registo de Mallu, tornando-o interessante. "Velha e louca" é o single do álbum. A entrada é pincelada pelo rock, as pausas e as progressões que lhes seguem tornam a música divertida e leve. "Cais" encerra o álbum. O piano, os sinos, os murmúrios fazem desta música uma das mais belas do disco.
Pitanga é fresco, sincero,
despretensioso, bem-humorado, apaixonado. É um álbum que respira…Porque
respirar é natural e isto saiu-lhe com a naturalidade de quem vive próximo de
si. Mallu fez um disco forte, sólido, e torna-se difícil acreditar nos seus 19 anos. Camelo acreditou e desde cedo decifrou o vermelho desta Pitanga. Mallu pegou as suas limitações vocais pelos cornos ao abrir a porta ao samba e ao bossa nova, ainda que deixando a janela entreaberta às influências folk e rock. Tudo resultou num delicioso caldo que marcou o compasso na música brasileira e na minha Primavera.
Ouve o disco inteiro aqui:
Por Patrícia Cadete
Fotografia de Marcelo Camelo
2 comentários:
Interessante teres escrito este artigo sobre Mallu...
Ainda a semana passada revi a crítica que tinha lido no Ípsilon sobre "Pitanga" e não resisti a um "sambinha bom" e aquelas guitarra tipo Beatles de Copacabana :)
Obrigada, Botas! É difícil resistir à Mallu ou a Camelo...Continua a visitar-nos :)
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